sábado, 17 de novembro de 2007

Carta a Aischylos

VI

Meu nobre amigo, só hoje me dei conta que a teoria da atração dos opostos faz sentido, pois em nosso caso é bastante marcante a sua presença. Sei das tuas preocupações, dos teus zelos perante mim. Sei também do perigo quanto a minha reputação. Estou certo que a tua intenção quanto à moralidade é preservar o pouco da imagem do homem exemplar que me resta. É uma atitude nobre da tua parte, mas deixa-me viver com esta sede de intensidade. Nunca tive vocação para cultuar o marasmo, tampouco a monotonia... O amor, o que mais posso dizer sobre essa força arrebatadora? Caro Aischylos, depois de toda essa defesa que fiz a favor da poligamia, estranho seria se eu viesse com as luzes da contradição, portanto, mantenho tudo o que eu disse, seguido de um reforço. Tu podes achar um tanto lúdico o que venho a dizer, mas, por favor, escuta-me amigo. Disse-nos o grande herói da humanidade: Só o amor é capaz de construir, amai a vossos inimigos sobre todas as coisas, amai a vossos irmãos como a vós mesmos, amai... amai... Ainda desconsidera a minha tese de que o amor tem que ser vivido em sua totalidade, em demasia? E diante de tanto poder meu amigo, de tanto bem que essa força nos oferece, de tantos alívios e glórias que ele nos fornece, não pode ele gozar de míseros valores de reconhecimento e gratidão? Para sermos justos com o amor, não podemos privá-lo de um direito que só a ele pertence! Quanto a minha relação com Lohraine meu caro irmão, prefiro não comentar, pois isto só irá aumentar a tua dor.Quanto às tuas visões meu amigo, ainda não acordei para aceitar estes fatos sobrenaturais, pois se para crer em um deus já foi um sacrifício, é comum que eu ainda tenha às minhas inclinações ao ceticismo. São muitos os casos em que me fazem dormir no berço da ciência. Esta tua visão de minha amada irmã me fez recordar um poema de Paul Marie Verlaine.

Never More

Que me quer,que me quer esta saudade? O outono
Fazia o tordo voar, no ar pesado de sono.
Já um sol sem calor, a tombar do áureo trono,
Mal aclarava o bosque em frígido abandono.

Íamos sós os dois, sonhando- o pensamento
E os cabelos ao léu, voando ao sabor do vento.
E eis que ela, a me fitar, num enternecimento,
Disse: “Qual foi na terra o teu melhor momento?”

Com a voz angelical de vibrações amenas,
Por única resposta eu lhe sorri apenas,
E beijei suas mãos brancas devotamente.

Os primeiros botões... Como são perfumados!
E que encantado som, que murmúrio atraente,
Tem o primeiro sim dos lábios bem-amados!

Em dezembro estarei indo a Eisenach para tornar físico mais um dos meus projetos. Gostaria de poder te ver, isso é, se estiveres próximo é claro, pois não quero que este nosso encontro seja um incômodo para a tua vida profissional. Meu amigo, fiquei sabendo por terceiros que tu reencontraste uma de nossas amigas de infância, por acaso essa pessoa não seria Hécate? Aguardo ansiosamente por tua resposta. “Que a nossa amizade nunca sinta o peso das diferenças!”.

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