terça-feira, 5 de junho de 2007

Carta a Valentine

I

Abri a janela do meu quarto hoje pela manhã e me deparei com o céu completamente nublado... é a primeira vez que o vejo assim após a morte de Lohraine। Pobre homem que sou!... Hoje somente amargo no coração as penas que este amor me deixou, amigo... pois o que é a vida sem a tua dileta e amabilíssima irmã? O que mais resta agora para mim? O escárnio infausto e tétrico dos deuses! Sim, vejo-os todos; ao contemplar este céu medonho eu chego à triste conclusão que isto tudo não é senão uma vingança por ter eu alcançado aquilo que nem eles imaginavam possuir... no entanto, ela se foi- para perto deles- e, agora, como naquele dia, num ato irônico se faz o céu novamente lúgubre e... nublado! Lembro-me bem daquele domingo... Todo o quarto repousava ao som monótono do seu ressonar... A porta estava entreaberta; tive receio de acordá-la e ali mesmo fiquei a observar aquele anjo adormecido... Foi então que meus pés, fiéis aos desejos impulsivos da alma e movidos pelos pulsos involuntários do coração, dirigiram-se trêmulos ao seu encontro!... Ajoelhei-me ao pé da cama e, extasiado, novamente, fechei meus olhos ante à magnitude de suas perfeições- nunca estive tão próximo dela! Contudo, eu sabia que era aquela talvez a minha única oportunidade de lhe falar algo... e lhe disse algumas palavras em tom de prece: as primeiras, sem nexo, saíram quase inaudíveis da minha boca, enquanto as minhas lágrimas ungiam-lhe o fino lençol... No que estaria ela sonhando? Esta pergunta me atormentava desde o momento que adentrara àquele céu, amigo!... E, ao ver-me assim por ela arrebatado- tão perto de alcançá-la... tão distante, porém, de merecê-la-, e por temer que nunca mais a visse assim de mim tão... próximo... beijei-a! Ela acordou assustada e, quando viu quem era o louco que ousadamente lhe havia tocado, ficou em silêncio... e me olhou pensativa; tomou, pois, minha mão e colocou sobre a sua face, fechando os olhos num ar de completa satisfação... sem saber o que fazer e ainda sem entender o que ela acabara de fazer, eu, simplesmente, me aproximei e lhe retribui a benevolência com outro beijo; ela, entretanto, projetou seu corpo contra o meu e me atirou ao leito vagarosamente... ali mesmo permaneci- anestesiado pela glória que ela me fizera sentir com seus afagos estonteantes! Em seguida, pôs sua cabeça sobre o meu peito e por um largo espaço de tempo assim ficou... Naquele quarto, deitado sobre aquela cama, tendo ao seio a mais bela das mulheres, eu por alguns momentos- fui o homem mais feliz do mundo! Mas, voltando ao sentido natural das coisas, depois de tantas divagações, me surpreendi ao vê-la fitar-me... ela, por sua vez, se pôs a sorrir e me disse: “Eu te amo”; e, apaixonadamente, verteu este maravilhoso discurso a quase todas as línguas... intercalando um beijo entre uma e outra, como a sustentar em mim a idéia de que me amaria aonde quer que fosse; e, passando por toda a sua vida, me contou o quanto me amara... e o quanto sofrera por mim em silêncio! Eu hoje acordaria mais feliz se eu disso apenas me lembrasse... mas, isto tudo não passou de um sonho, infelizmente; pois, ela à noite... bem sabes tu... naquela fria noite de domingo, ela morreu... e com ela também a alegria nutrida pela manhã se acabou, tal como se acabam os sonhos... tal como se acaba a vida! São já três horas da tarde e o céu continua nublado- o que reforça a lembrança destes tristes acontecimentos! Contudo, eu sei que este divino escárnio me trouxe algo bom do céu: a certeza de que este amor ainda perdura em seu coração.

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